quarta-feira, fevereiro 03, 2010

PAN NÃO VEM!

A reunião está para começar e todos estão presentes.
Com exceção de Pan, é claro...

Pan, sempre atrasado. Sempre festejando em alguma caverna ou à beira de alguma lagoa ao som de uivos, sibilos e cânticos estranhos. Sempre animando o grupo, como um anfitrião invasor. Quando não está com seus comparsas que, por uma conjuntura absurda de fatos, poderíamos ser eu e você e mais alguns mortais, está de ressaca, com um cálice vazio na mão, brindando sozinho rente ao precipício. Quanta inocência... Pensar que a existência possa ser sempre festejada com rodas de mãos dadas em volta de fogueiras acesas em qualquer lugar.

Resolvem adiar o início das considerações.
Sem Pan, não há como deliberar...

Pan, sempre presente. Nos lugares mais inusitados, mas sempre presente. O volume da música um pouco mais alto, os sentidos um pouco mais aguçados pelo vinho, aquela vontade coletiva de ser um pouco mais e de compartilhar a alegria... E lá está ele. Acendendo mais um incenso e pronto para, mais uma vez, reunir o infinito do universo com a certeza da mortalidade. Nessa mistura insólita, todos tendem a esquecer quem comanda o espetáculo da noite. Mas Pan não esquece. E distribui olhares pela turba.

Dois dias, três dias... "Pan não vem!", sentenciam alguns.
A reunião está cancelada.

Pan é assim. Não se sente, de maneira alguma, responsável pelas responsabilidades alheias. Sabe do que é capaz e sabe porque foi criado. Por que se preocupar, então? Aliás, a bem da verdade, são seus os poderes de impulsionar a irresponsabilidade. Tem plena consciência disso. Brinca de marionetes cada vez que sente o perfume daqueles que estão dispostos a jogar para longe a fria solidão. Pan é assim. Seus atos e o seu destino se encontram e se encerram na celebração da vida.

(Inspirado nas viagens conscientes ao subconsciente de Roy Bowers (vulgo Robert Cochrane) - "Os bosques são sombrios e terríveis e entra-se neles atravessando um rio. Ali, o covarde se intimida, o pusilânime foge, pois é ali que o iluminado toca o corneta de chifre retorcido e encara a face do inimigo que nenhum homem pode derrotar. Dos outros planos, eu não tenho conhecimento. Exceto no meu subconsciente, como todos nós temos. Tanto conhecimento já foi perdido e há tão pouco tempo para encontrá-lo novamente...").
 
(original: 01/Julho/2005)

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