sábado, janeiro 09, 2010

EU SOU SÓ O QUE CARREGA O CORPO...

E eu continuo apaixonado... Mesmo sabendo que a tua mão esquerda, escondida debaixo do cobertor, segura a faca que tem gravado na lâmina, o meu nome. Amar uma psicopata tem suas doses de aventura e receio. Aliás, receio não... Medo. Pavor, às vezes. Psicopatia assumida inconscientemente. Gentil demais e com a consciência limpa. Considero uma benção acordar pela manhã do teu lado, vivo. Uma sorte danada te ver todas as manhãs, com os meus olhos ainda orbitando as órbitas oculares. Diferente da sua primeira vítima, que não pôde fazer jus ao velho ditado “eu vi tudo, com esses olhos que a terra há de comer”. Vocês os tirou antes de tirar a vida dela. Fome estranha aos olhos dos normais.

Tenho os cabelos da nuca arrepiados a cada jantar. Já vi o quão ágil você consegue ser. Navalha, estilete, folha de papel. Tudo o que corta parece ser apenas uma extensão das tuas mãos e dos teus olhos. Na mira deles, o que respira te ofende. E como te ofendem... Não a ponto de exprimir essa ofensa em palavras, mas em ações grotescas, bizarras. Banhos de sangue, rituais. E no fim, limpeza total. Sem deixar pistas. Deixando apenas marcas de que você, minha psicopata, desfilou sua fúria por aquele corpo. Como a sua vítima de Dezembro passado, antes dos fogos. Desenhos simétricos nas costas. Sadismo pouco é bobagem.

Nunca planejei que acabaríamos assim... Nesse sistema de não planejar nada. Com você seguindo seus instintos todos os dias. E nós dois, todas as noites, revisando cada passo, cada ato, cada golpe. Precisão é o teu nome do meio e, por Deus, como é afiada a tua vida. Teu nome não ouso dizer em voz alta. Mas em sussurros, repito como um mantra: J..., J..., J... Nem rezo mais para que a tua ânsia sossegue. Aprendi a gostar desse jogo onde só você vence. Eu, como mero espectador e cúmplice, aprecio cada movimento e cada esforço na direção da vitória: a morte. Alheia, é claro. E violenta, sem dúvida. Tanta graça e tanta maldade em apenas um rosto.

Há tempos desisti de tentar descobrir a origem desse desvirtuamento do que consideramos normal. O que se passa pela sua mente fica claro a cada flash da lâmina passando bem na minha frente. E cada gota no chão, de suor, sangue, lágrima, deixa claro ao que você veio. Nessa rotina sinistra, apenas me conformo em ser o que carrega o corpo e ajuda a recolher as evidências. O desejo brota num momento ímpar que se repete a cada dia com mais intensidade. E o fim? Acho até que já chegamos lá. Não há como avançar. Nem para o fundo e, muito menos para cima. Nossa almas já foram convidadas para a festa macabra do perdão impossível.

E eu continuo apaixonado...

(original: 04/Abril/2008)

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